Maria José Neto escreve sobre toponímia da Guarda
"A Toponímia da Cidade da Guarda e a Construção da Memória Pública no Século XX", da autoria de Maria José Neto, professora deste Agrupamento , será lançado amanhã, dia 30 de outubro, pelas 17 horas, no Auditório dos Serviços Centrais do Instituto Politécnico da Guarda, no âmbito do Fórum sobre Toponímia organizado por este estabelecimento de ensino superior. Maria José Neto respondeu às perguntas do Blogue EXPRESSÃO.
Como surge este livro?
Este livro é uma adaptação da dissertação de mestrado que
defendi na Universidade Aberta. No momento da escolha do tema decidi que seria
sobre a cidade da Guarda, pois quando regressei aos estudos fi-lo com o
objetivo de colmatar insuficiências relativamente à história local. Sentia
necessidade de integrar a história da cidade no âmbito mais vasto da História,
destacando o contributo das pessoas que aqui viveram nestes mais de oitocentos
anos como cidade. Esse conhecimento queria transmiti-lo aos meus alunos, para
que estabelecessem laços de maior afetividade com a cidade.
De que trata no essencial?
São abordadas duas temáticas que se interligam, a da
evolução do espaço urbano, no interior e no exterior da muralha, e a da
nomeação das vias e lugares públicos. Se nos tempos mais remotos da cidade os
nomes dos espaços surgiam de forma mais ou menos espontânea, na segunda metade
do século XIX o ato de nomear passou a ser uma atribuição do poder municipal. A
partir dessa altura, as nomeações surgem carregadas de intencionalidade, mas
surgem também renomeações (novos batismos) das vias existentes. Através das
atas das sessões da Câmara Municipal, onde foram exaradas essas novas
designações, indicia-se a intencionalidade dos autores (normalmente vereadores
ou presidentes da Câmara). Essa intencionalidade visa criar uma memória pública
e essa memória diferencia-se no curso do tempo, marcado pelos diferentes
regimes políticos que perpassaram o século XX, particularmente a Monarquia
Constitucional, a República, o Estado Novo e a Democracia.
Indique dois motivos de interesse
nesta publicação.
Por um lado, algumas notas sobre o lento crescimento da
cidade, o aparecimento de novos bairros e urbanizações, e as preocupações urbanísticas,
por outro lado, um revisitar de personalidades que fazem parte do nosso
quotidiano sempre que falamos de uma rua e a nomeamos com a sua denominação
oficial, mas que muitas vezes estão vazias de significado memorativo. É, por
isso, um remexer na história quase contemporânea, para evocar e fortalecer
memórias. Destacaria um terceiro motivo, os anexos que completam o texto
principal e que poderão abrir pistas para futuros trabalhos.
Há tendências bem nítidas na
toponímia da Guarda?
Sim. Isso é muito visível no domínio da antroponímia. Quando
os republicanos chegaram ao poder, em 1910, as mudanças eram frequentes para
homenagear os novos heróis, os símbolos, as datas, e para fazer esquecer as
figuras do regime monárquico. Quando o Estado Novo quis consolidar um outro
tipo de memória substituiu muitos nomes de republicanos por figuras históricas
ou do próprio regime, sobretudo do poder central, mas que contribuíam para o
desenvolvimento dos projetos locais. Curiosamente, os seis anos analisados da
democracia não deixam perspetivar essa urgência de substituir a memória do
regime anterior.
Que questões se colocam às
autoridades no momento de decidir nomes de ruas?
Como diz um provérbio árabe, “Os homens parecem-se mais com
o seu tempo do que com os seus pais”. Entendo, por isso, que é passada para a
toponímia a cultura das classes sociais que dominam o poder, são os valores
dominantes que determinam as escolhas. A diversidade de opções depende da pluralidade
de pontos de vista, ou seja, da composição das comissões de toponímia, equipas
constituídas por elementos da autarquia e da sociedade civil.
Quando um nome de rua deixa de ser
significativo, a rua deve mudar de nome?
O nome só deixa de ser significativo porque se pretende
substituir uma memória por outra. Talvez fosse importante preservar os dois
nomes na placa toponímica, como acontece em muitas cidades do país, sobretudo
onde foram substituídos os nomes tradicionais. Também seria interessante
colocar alguma informação adicional junto do nome que se homenageia na placa
porque, mesmo fazendo parte de outra geração que já não é contemporânea da
figura evocada, preservava uma memória com conteúdo. Muitos dos nomes que hoje
estão atribuídos não passam, para os transeuntes, de arquivo morto, sem
qualquer conteúdo memorativo.
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