sábado, 20 de janeiro de 2018

TESTEMUNHO DE UM RECLUSO DO EPG Tenho 32 anos e já vejo a luz ao fundo do túnel




         Quem Sou?
Não sou um bicho por estar preso, não deixo de ser quem sou, nem sou uma pessoa sem família, felizmente.
Tenho 32 anos e estou preso no Estabelecimento Prisional da Guarda por tráfico de estupefacientes, exclusivamente AX, consequência de uma vida de consumos exagerados desde os meus 15 anos.
Não culpo ninguém, foi pela minha cabeça, foi por ter escolhido essa vida que acabei no tráfico para consumir e vim cá parar. Não pensava no que andava a fazer, nem no mal que fazia à minha saúde, à minha família e a quem vendia o AX. Inconscientemente, levei essa vida até vir preso, vida da qual já estava cansado até, pois não enriquecia com isso, nem monetariamente nem psicologicamente, vendia só para consumir e consumia muito…
Agora estou a pagar pela minha inconsciência, perdi a liberdade, entre muitas outras coisas que não vou mencionar, mas sei que vou reaver outras quando sair daqui. Sei que vou deixar marcas nos meus filhos, nos meus pais, marcas que jamais serão apagadas. A minha mãe, a minha âncora, sofre muito com isto tudo, avisou-me tantas vezes e eu sem ligar nada ao que me dizia. No entanto, sinto que não foi tudo em vão, o facto de vir preso fez-me pensar melhor e de maneira diferente: já vejo a luz ao fundo do túnel, mudei os meus hábitos, deixei o AX finalmente, e não compreendo como passei metade da minha vida a fumar AX.
Saí da escola assim que comecei a fumar, pois não tinha rendimento, e comecei a trabalhar como serralheiro aos 16 anos. Mesmo com o vício, fazia uma vida normal, criava os meus filhos e era bom pai. Não era perfeito, mas era bom, atento e preocupado. Lá fora, todos me conhecem bem e a minha família reconhece que, embora fosse fumador, cumpria com as minhas obrigações.
Como tenho apoio de casa, tento fazer o possível para que a minha estadia aqui seja breve, o mais curta possível. Apesar de estar preso apenas há 22 meses e da pouca experiência que tenho disto, procuro influenciar os meus colegas na prisão, mas muitos ainda têm maus hábitos, maus pensamentos e é muito difícil persuadi-los para pensarem positivo. Na cela, tento pôr os meus colegas para cima, embora seja uma tarefa árdua, já que todos temos filhos e torna-se difícil animá-los.
Estar aqui é triste, isto é desagradável, há muito sofrimento e pouca ajuda do pessoal responsável interno. São poucos os que nos veem como seres humanos, muitos veem-nos como números ou animais até e dizem-nos que só merecemos estar fechados do mundo. Não entendem as nossas razões, as nossas fraquezas, não compreendem que errar é humano. Não quero mudar o mundo, sei que o que faço não é suficiente, mas faço algo, vou à escola, tento ser assíduo e pontual e estar atento, o que por vezes é difícil, pois a cabeça está sempre lá fora, nos assuntos pendentes.
A minha marca destaca-se. Sou do Norte, vim de longe para aqui mudar de vida, já marquei muito a minha família com esta situação. Faço tudo para que não se esqueçam de mim.
A minha marca é o que faço e o que sou. Havia muito para dizer, mas não digo.
O que tem esta história de relevante? Nada, só o facto de ser feita por mim e de ser a minha.
Boa sorte para todos. Atitude!

Manuel Santos

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